quinta-feira, 30 de abril de 2015

NADA DE NOVO NO FRONT

Wilson Coêlho
Apesar de você/ Amanhã há de ser/ Outro dia
Inda pago pra ver/ O jardim florescer
Qual você não queria/ Você vai se amargar
Vendo o dia raiar/ Sem lhe pedir licença
E eu vou morrer de rir/ Que esse dia há de vir
Antes do que você pensa. Chico Buarque

Faz-se necessário recorrer à memória para entendermos que os editais de cultura da Secult-ES não estão em separado da conjuntura e da política neoliberal do governo do Espírito Santo. Sem querer ser didático, parece ser interessante montar alguns dados. Paulo Hartung é o governador do estado do Espírito Santo e, a famigerada Secult-ES, órgão desmoralizado, sem orçamento e sem nenhum poder, não passa de um órgão a serviço deste governo, principalmente no que diz respeito a sua tarefa de fortalecer ainda mais e favorecer os empresários, como uma estratégia de sucatear a “res publica”. Recordar é viver. A arte e a cultura, para Paulo Hartung, desde sua eleição para o DCE – Diretório Acadêmico dos Estudantes da UFES, em tempos remotos, dizem seus contemporâneos do movimento estudantil que não eram de seu grupo, sempre foram entendidas como meras ações utilitárias com fins eleitoreiros. Uma ação cultural, para o dito cujo, nunca deveria ser realizada com autonomia, mas com o objetivo único de referendar e “embelezar” as propostas de seu grupo que, diga-se de passagem, muitos de seus integrantes compõem seu atual governo.
Caminhando um pouco mais e, embora de forma resumida, cabe recordar o tempo em que foi prefeito de Vitória, eleito depois da administração de Vitor Buaiz que, de certa forma, foi referência nacional, com a criação da Escola de Artes FAFI, da lei de incentivo “Rubem Braga”, a segunda do Brasil e, entre outras coisas, destaque pela atuação do Conselho Municipal de Cultura, a urbanização da Grande São Pedro, cultura nos bairros, etc.
Pois bem, Paulo Hartung eleito prefeito de Vitória, apesar de ter dado posse aos conselheiros eleitos na administração anterior pela sociedade civil, o atravancou com o retardo da convocação das reuniões e, com muita má vontade, se propunha a liberar o mínimo estabelecido na Lei “Rubem Braga” para a aplicação dos recursos de incentivo à produção cultural. Depois, para lhe suceder, ainda inventou Luís Paulo Velloso Lucas, não somente para dar continuidade do seu projeto, mas também para emperrar mais a cultura, reafirmando a Secretaria Municipal de Cultura como simples aparelho a serviço do neoliberalismo que além de trazer como secretária municipal de cultura uma estrangeira, Cláudia Cabral, vindo do Rio de Janeiro, ainda acabou terceirizando a gestão da Escola de Teatro e Dança FAFI.
Mais tarde, tendo sido eleito em 2002, Paulo Hartung assumiu o governo do estado em 2003 e, aos 31 de março do mesmo ano, revogou a lei de Incentivo Fiscal para a Cultura que havia sido aprovada em 2000 pelo seu antecessor José Ignácio. Em julho de 2003, desarticulou e desativou o CEC – Conselho Estadual de Cultura. Em 24 de julho de 2008, no seu segundo mandato, publicou um decreto vetando o Estado de celebrar convênios. Em seguida, aos 7 de agosto de 2008, reestrutura a seu modo o CEC e dá posse aos conselheiros. Aos 25 de agosto de 2008, celebra o Contrato de Competitividade com as empresas do comércio atacadista. É criado o Instituto Sincades para manipular verbas públicas sem necessidade de prestação de contas.
Alimentando uma falácia, conforme publicado pelo governo, “este Contrato de Competitividade estabelece o compromisso das partes em aumentar a competitividade das empresas do Comércio Atacadista estabelecidas no Estado do Espírito Santo, em relação às similares de outras regiões do país. Em contrapartida aos incentivos tributários concedidos pelo Governo do Estado, o setor pactuante se compromete a investir em ações que resultem em seu próprio desenvolvimento socioeconômico e sustentável. O objetivo é garantir a manutenção e criação de empregos, ocupação, renda e evolução na capacitação profissional da população local, simultâneo a incrementação na capacidade comercial atacadista do setor.”
Ainda confere aos empresários o poder da destinação interestadual dos produtos, onde “O estabelecimento comercial atacadista estabelecido neste Estado poderá a cada período de apuração estornar do montante do débito registrado por ocasião das saídas interestaduais o percentual equivalente a trinta e três por cento (33%), de forma que, a carga tributária efetiva máxima resulte no percentual de um por cento (1%)”.
Trocando em miúdos, conforme a reunião do dia 24 de Janeiro de 2013, com a “Prestação de Contas do Instituto Sincades”, que foi uma reivindicação dos Conselheiros do CEC desde sua reestruturação, ficou muito claro que o governo de Paulo Hartung abriu mão de onze por cento (11%) dos 12 que deveriam pagar os atacadistas de ICMS. Essa renúncia fiscal ou concessão se sustentava da mentira de que estas empresas investiriam para aumentar sua “competitividade no mercado”. O que parece muito claro é que tudo não passou e não passa de uma farsa, considerando que nem os cofres públicos capixabas se beneficiaram desse “acordo”, tendo em vista que em nada alteraram os preços das mercadorias para o cidadão capixaba, não gerou empregos e apenas favoreceu as aventuras do Instituto Sincades de promover eventos faraônicos e sem a participação do movimento cultural do nosso estado.
Voltando à questão da conjuntura, podemos avaliar algumas outras questões. Será possível acreditar que o Espírito Santo ser o segundo lugar na criminalidade do Brasil esteja separado da forma como o Estado lida com a sua cultura? Será que o estado com o maior índice de assassinato de mulheres no Brasil não tem nada a ver com o descaso que o governo trata a sua cultura? Parece que o tema dos editais de cultura não passa da ponta de um iceberg que congela os sonhos dos capixabas que pensam num mundo melhor e mais humanitário. E, ainda, voltando ao chamado impasse entre as propostas do governo em contradição com os anseios do movimento cultural, a Secult propõe reuniões isoladas com segmentos culturais. Outra demonstração de autoritarismo e falta de vontade política em colocar na mesa as verdadeiras questões para se desfazer alguns impasses. Creio que o mais honesto seria um fórum aberto com toda a sociedade para que nós da sociedade civil pudéssemos fazer cair as máscaras desse governo que faz acordo com empresários como se não existisse a sociedade civil. Não é por acaso que o Espírito Santo é visto como uma espécie de filho bastardo da região sudeste.

Enfim, creio que se faz necessário ampliar os debates e posicionamentos das entidades locais, bem como uma mobilização e envolvimentos das entidades nacionais para que a imagem do Espírito Santo não seja refém de uma imprensa comprometida com os segmentos tradicionais e reacionários do empresariado que faz de todos nós apenas o canteiro de seus lucros e manutenção de seus domínios.

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