quinta-feira, 30 de abril de 2015

DOS EQUÍVOCOS
                                                                                         Wilson Coêlho

Como diziam os antigos, “boca fechada não entra mosquito”. É o que constatamos a cada vez que o governo do estado faz uma tentativa de defender o indefensável. Vamos aos equívocos. Quando o secretário defende o Instituto Sincades (Sindicato do Comércio Atacadista e Distribuidor do Espírito Santo) e afirma que “as pessoas acham que não pode haver recurso da iniciativa privada em política pública”, é como se ele dissesse – tomando emprestado uma fala de Doutor Pangloss, personagem de “Candido ou o otimismo”, de Voltaire fazendo uma crítica à filosofia de Leibniz – que os narizes foram feitos para usar óculos, e por isso nós temos óculos.

Para início de conversa, há uma confusão entre público e privado e, principalmente, sobre política pública, considerando que o governo não tem uma política pública de estado no que tange a cultura, ou seja, trata-se de uma política de um governo que desde a sua candidatura está comprometida com os acordos feitos com o empresariado praticante do oligopólio. O Sincades é por si mesmo a crônica de um crime anunciado, pela maneira e pelos propósitos pelos quais foi criado. Se para o governo ele pode ser considerado legal, para o bom senso ele é imoral, tendo em vista que faz parte de um acordo entre governo e empresariado sem passar pelo debate com a sociedade civil, principalmente no que diz respeito à cultura, tendo em vista que o mesmo desenvolve projetos particulares na casa de aproximadamente 70 milhões de reais por ano e, diga-se de passagem, sem precisar prestar contas ao povo e, tampouco ao governo que lhe assinou um cheque em branco.

Agora, convenhamos, como é que o secretário tem o disparate de chamar de “doação” o montante da verba da cultura a ser aplicada pelo Sincades nos editais de incentivo à cultura? Como pode alguém doar o que não lhe pertence? Depois, que política pública de cultura para uma secretaria que não tem uma dotação orçamentária capaz de atender à demanda da sociedade e, tampouco, tem autonomia?

Para confirmarmos de vez a prepotência e a tamanha ignorância deste governo quanto ao movimento cultural de nosso país, tendo como porta-voz um secretário weberiano, podemos recorrer a outra de suas afirmações. Num dado momento, conforme a imprensa a serviço do estado, não sei se por desconhecimento ou má-fé, ele diz que “todo mundo que está ali (na discussão sobre os editais) pega dinheiro com a Rouanet, que é recurso privado”. Estupidamente equivocado. Muito rarissimamente algum artista capixaba se socorre da Rouanet, por alguns motivos, mesmo que todos os projetos enviados a Rouanet sejam aprovados. Se algum candidato tem algum problema na elaboração do projeto, ele é devolvido tantas vezes quanto for necessário para que ele seja acertado. Assim, todos são aprovados. Mas tem um impasse: nenhum deles consegue captar recursos, principalmente do empresariado capixaba, exceto, quando coincidir que algum artista tenha um amigo empresário interessado em ajuda-lo, não por uma valorização da arte, mas por motivos quase afetivos.

Obviamente, alguns imbecis podem querer desmentir essa fala dizendo que existem sim projetos capixabas aprovados e captados pela Rouanet. Mas eu duvido que consigam provar, exceto, se – conforme dito antes – for numa relação de amizade entre artista e empresário. De outro modo, também não dá para esquecer que realmente existem muitos e ricos projetos realizados pela Rouanet nos territórios capixabas, mas esses são outros quinhentos. São produtores fraudulentos que fazem acordos silenciosos entre empresários, prefeitos, governados, deputados e vereadores, para festas de cidade, torneios, carnavais e uma infinidade de eventos onde estão incluídas verbas milionárias para cantores e bandas medíocres, aluguel de palcos, tendas, lonas de circo, trios elétricos e o escambau.

No mais, ainda no campo das ignorâncias, seria muito interessante que o governo local tomasse consciência do andamento e dos movimentos que o ministro da Cultura, Juca Ferreira, tem organizado Brasil afora e com recente reunião no Senado, para garantir a aprovação do projeto Procultura que, além de já aprovado na câmara e de substituir a Rouanet, aumenta a distribuição dos recursos de incentivo à cultura e fortalece o norte e o nordeste do país. Um grande passo para acabar com o patrocínio do Estado para obras comerciais, essas que fazem o discurso do mercado, mas querem se apropriar das conquistas públicas da sociedade civil.

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